1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010/2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67, exemplar gentilmente facultado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro] (*)
Embora o sargento não seja identificado pelo nome, deve tratar-se do 2º Sargento Mecânico Auto Rodolfo Valentim Oliveira, natural de Tavira, morto em 11 de agosto de 1965, um mês depois do Cap Inf Aurélio Manuel Trindade ter chegado a Bedanda.
Segundo o nosso coeditor e colaborador permanente Jorge Araújo, terá sido o 3º sargento a morrer no CTIG, de um total de 54 (**).
Escreve o autor do livro que temos vindo a citar:
(...) "Morreu em combate o sargento mecânico, um técnico excelente e um bom homem" (pág. 313).
O Manuel Andrezo (aliás. Aurélio Manuel Trindade) relata a seguir, sucintamente, as circunstâncias dessa morte para depois nos dar conta das suas fortes suspeitas sobre o soldado mecânico Fernandes, possível autor ou coautor do assassínio do 2º sargento mecânico da 4ª CCAÇ.
O sargento queria melhorar as condições de trabalho da oficina auto em Bedanda. Nomeadamente, queria construir uma plataforma com rampa para lavagem e melhor observação das viaturas. Para isso precisava de madeira. Pediu autorização ao capitão para ir cortar madeira nas proximidades do quartel, a 2 km, num sítio onde o pessoal costumava ir à lenha, e onde nunca até então houvera problemas. Teve o OK do capitão, desde que levasse segurança.
O sargento pegou na sua secção de mecânicos e condutores. E lá foi com uma equipa de 10 homens, munidos de serra mecânica e machados, e armados (os soldados da 4ª CCAÇ na altura ainda usavam a Mauser).
Passados duas horas, ouviu-se um curto tiroteio na mata. Uma pequena força, comandanda pelo Alf Mil Carvalho, saiu do quartel a correr para ir ver o que se passava, tendo deparado então, no local, com "o sargento morto, com um tiro na cabeça, e os soldados amedrontados" (sic) (pág. 313).
A explicação dada pelos soldados é que teriam sido "surpreendidos por uns guerrilheiros na estrada Mejo-Bedanda". Reagiram aos tiros e os guerrilheiros retiraram prontamente. A única baixa fora o sargento. Não souberam explicar "quantos eram e para onde foram" os guerrilheiros, já que fora tudo muito rápido.
O Alf Mil Carvalho fez uma pequena batida na zona mas não encontrou quaisquer vestígios da presença dos guerrilheiros, nem sequer invólucros. A haver trilhos confundiam-se com os da população, das milícias e das NT. Começou por isso a ter dúvidas sobre a versão do pessoal da ferrugem. E transmitiu as suas impressões (e apreensões) ao capitão.
Este fez questão logo de "considerar oficialmente a morte do sargento como sendo morte em combate numa emboscada da guerrilha" (sic) (pág. 315), mas mandou entretanto o Alf Mil Carvalho averiguar melhor o que se tinha passado, devendo para o efeito interrogar todos os homens da ferrugem que tinham estado com o sargento naquele fatídico local.
A versão de todos os soldados inquiridos era unânime: foram vítimas de emboscada do IN... Mas o alferes vai descobrir, no entanto, um "suspeito".
As relações do sargento com os soldados da sua secção não eram boas. Um deles, o Fernandes, que era de Bissau, "todo espevitado e mal encarado" (sic) (pág. 316), andava sempre a contestar as ordens do sargento. Três ou quatro dias antes, o sargento dera-lhe "duas valentes bofetadas" (sic). O Fernandes terá dito, em público, que se iria vingar. Houve testemunhas.
Chamado ao capitão, o soldado mecânico Fernandes foi de novo apertado:
(...)" Ouve, Fernandes. Eu não acredito na tua história da emboscada quando morreu o nosso sargento. Não houve nenhuma emboscada e foi uma arma vossa que o matou e todos combinaram isso da emboscada para enganar nosso capitão. Eu vou descobrir a verdade. Se descobrir que vocês me querim enganar, eu dou cabo de vocês. Tiveste uma discussão com o nosso sargento dois ou três dias antes. Disseste que te havias de vingar e vingaste-te. És capaz de ter morto o nosso sargento e inventaste depois a emboscada. Se eu descobrir que foi assim, limpo-te o sarampo como tu limpaste o nosso sargento. Ficas em constante vigilância do nosso capitão" (pp. 316/317).
O Fernandes manteve a sua versão até ao fim, protestando a sua inocência.
E a história acaba assim:
"Na companhia, oficialmente, só o Alferes Carvalho e o capitão duvidavam da versão dos soldados. Aliás, o capitão tinha a certeza de que o sargento tinha sido morto por um soldado, e pelo Fernandes com muita probabilidade" (pág. 317).
O Cap Cristo não quis, porém, esticar a corda e agravar o mal-estar já existente na companhia. Informou, no entanto, o Comando em Bissau , "em nota pessoal e confidencial das suas desconfianças e das razões que justificavam a sua atitude".
Por sua vez, "o soldado Fernandes, que estava no fim do seu serviço normal, pouco tempo depois passou à disponibilidade e, apesar de querer continuar e de ser um bom mecânico, tal não foi autorizado. As dúvidas que sobre ele existiam, influenciaram a decisão. O capitão considerava-o responsável pela morte do sargento e nunca lhe perdou" (pág. 317).
Uma história edificante? Pode perguntar-se por que é que o capitão não mandou levantar um auto de notícia e não se procedeu à autópsia do corpo do sargento, como seria normal noutras circunstâncias?... Não sabemos mais pormenores do caso. E convém lembrar que a fonte que estamos a usar é um livro de memórias, em parte ficcionado...
E depois o capitão tinha chegado há um mês, havia problemas de disciplina na 4ª CCAÇ, e Bissau fará questão de lembrar, a propósito da entrega ou não das espingardas automáticas G3 (em substitituição da velha Mauser), que se tratava de uma "companhia de negros em quem não confiamos totalmente" (sic) (pág. 139)...
O enviado de Bissau a Bedanda, um tenente coronel, Chefe do Serviço de Material, lembrou ainda ao Capitão Cristo que já houvera lá "uma tentativa de revolta e ninguém nos diz que não possa haver outra, e era muito aborrecido se eles fugissem para o mato com as G3" (pág. 139)...
De qualquer modo, sabemos de outros casos, que no CTIG o exército lidava mal com estas situações de mortes por "acidente com arma de fogo" (termo que em geral era um eufemismo para escamotear as verdadeiras causas de acidentes mortais como o suicídio ou o homicídio).
Para proteger seguramente a família e honrar a memória do 2º sargento Rodolfo Valentim Oliveira, este foi dado como "morto em combate", tendo sido louvado e agraciado, a título póstumo, com a Medalha da Cruz de Guerra de 4ª Classe bem como a Medalha da Cruz de Guerra, colectiva, de 1ª classe.
2. Lê-se, a propósito, no portal UTW - Ultramar TerraWeb, dos Veteranos da Guerra do Ultramar (com a devida vénia...)
Honra e Glória - Rodolfo Valentim Oliveira (...)
(...) Louvado, a título póstumo, por feitos em combate, publicado na Ordem de Serviço n.º 118, de 1965, da 4.ª Companhia de Caçadores Indígena (4ª CCaçI);
Agraciado, a título póstumo, por feitos em combate, com a Medalha da Cruz de Guerra de 4.ª classe, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 4 de Março de 1966, publicado na Ordem do Exército n.º 13 – 3.ª série, de 1966;(Publicado na Ordem de Serviço n.º 118, de 1965, da 4.ª Companhia de Caçadores):
Louvado, a título póstumo, o 2.º Sargento, Rodolfo Valentim de Oliveira, da 4.ª Companhia de Caçadores, porque tomando parte numa patrulha a Cobumba, frente a um inimigo superior não só em efectivo, como em armamento automático, mostrou coragem, sensatez, sangue-frio e inteligência no comando da sua Secção, apesar de ter apenas alguns dias de Comissão, pondo sem dúvida em evidência, qualidades de um militar exemplar.
Contudo, durante a retirada do Pelotão, fazendo parte da força de cobertura, foi ferido pelo inimigo, do que adveio o seu falecimento. (...)
3. O que diz o nosso coeditor e colaborador permanente, Jorge Araújo, no poste P18953 (**) ?
A 3.ª BAIXA: - 2.º SARGENTO CMD RODOLFO VALENTIM OLIVEIRA, DA 4.ª CCAÇ, EM 11AGO1965
(...) A morte do 2.º Sargento Cmd Rodolfo Valentim Oliveira, natural de Santiago, Tavira, ocorrida em 11 de Agosto de 1965, 4.ª feira, é considerada a terceira na cronologia dos Sargentos do Exército falecidos em combate no CTIG.
O Sargento Rodolfo Valentim Oliveira pertencia à estrutura orgânica da 4.ª CCAÇ [Companhia de Caçadores Nativos (ou indígenas) constituída por praças africanas de Recrutamento Local, que eram enquadrados por oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole.
Criada e instalada primeiramente em Bolama em finais de 1959, mudou-se em Julho de 1964 para Bedanda, por necessidades operacionais, uma vez que um dos objectivos intrínsecos para a sua criação foi/era a segurança e/ou a defesa das suas populações, estando assim implícito o conceito de "missão" ou "actividade operacional" na luta contra os grupos da/de guerrilha armados. Três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos em Bedanda, esta Unidade é renomeada, em 1 de Abril de 1967, passando a designar-se por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6 - "Onças Negras"] (vidé: P18387 e P18391). (...)
É a partir dessas vivências colectivas anteriores, partilhadas em palcos comuns, que se vem a saber da morte do 2.º sargento Rodolfo Valentim Oliveira. Por ausência de informações mais precisas quanto aos detalhes que originaram a sua morte em combate, citamos o que foi possível apurar neste âmbito:
"Voltamos a caminhos de Cabolol mas seguindo a estrada, passamos nas bordinhas da mata e vamos atá à tabanca de Cobumba, numa acção punitiva, por a sua população dar guarida a um grupo de guerrilheiros, que teria causado várias baixas à 4.ª CCAÇ estacionada em Bedanda, entre as quais se contava um sargento [Rodolfo Valentim Oliveira]" [Poste P17130].
Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como costumamos afirmar, eis os quadros estatísticos dos 54 (cinquenta e quatro) sargentos [Ajud., 1.ºs e 2.ºs], nossos camaradas dos três ramos das Forças Armadas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, sendo 13 em acidente (24.1%), 17 em combate (31.5%) e 24 por doença (44.4%). (...)